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Em memória da Autora: Mônica Raouf El Bayeh falecida em abril de 2020
- Mãe, não faz isso.
Me pedia um filho em choque. Um olhar de quem não acreditava que ali, naquele corpo, morava ainda o que foi a sua mãe.
- Cara, não faz isso.
Me aconselhava a filha, encolhida só de imaginar a vergonha do meu corpo acabado exposto sem pudores e sem juízo em plena luz do dia.
- Mãe, olha o mico...
Uma mãe na praia de nudismo é mico? É puta? É o que afinal?
O marido não falava nada. Em choque, provavelmente, com a súbita decisão.
- Vamos comigo?
Eu insisti algumas vezes. A resposta?
- Claro que não.
Uma escada. Era o que separava os nus dos simples mortais. Antes da escada? Os comportados. Mesmo que com as bundas e os peitos praticamente de fora. Do outro lado? Eles. Os escondidos pela escada. Era lá que eu queria estar. Sem areia no maiô. E sem maiô. Livre. Ao vento. E o vento livre me soprando toda. Como seria?
Eu nua em público só nos piores pesadelos. Já teve sonho assim? A vergonha de estar destoante. De não estar de acordo. A sensação de inadequação caindo como bigorna em cima de mim.
E agora? Como seria? Numa rápida avaliada, percebo que meu corpo não serviria para propaganda. Eu, de biquíni, num barco? Só se fosse o tipo de propaganda de antes e depois. Eu seria o antes, claro.
Também poderia ser aviso de corrente de Orkut ou Facebook. Fulano não repassou a corrente. Ficou assim. Meu retrato ao lado.
Ok. O corpo não estava em bom estado. Há avarias aqui e ali. Muitas. Estrias, celulite, caídos, flácidos. Não entrarei em detalhes sórdidos para não chocar os presentes.
Mas e os presentes que estariam na praia? Pior um lado, de biquíni já se imagina o resto. Não haveria grandes diferenças. Por outro, se não fosse com esse corpo, com qual? Quando? Nesse raciocínio, só me restaria a próxima encarnação.
Impressionante o massacre que a gente sofre. Penso no massacre como mulher. Na cobrança de um corpo prefeito para apresentar. Para ter prazer. Para amar. Que se dane o corpo perfeito. Tenho um corpo. E só tenho ele. Sempre posso dar uma melhorada. Mas há coisas que jamais terei. Há pesos que nunca conseguiria. Só cortando ossos.
Nem acho que a cobrança seja só de mulheres. Talvez pior conosco. Mas os homens sofrem também. E eu nem sei quantas cobranças não haviam no NÃO tão determinado do marido. Que fantasias lhe impediram de subir as escadas? Que críticas não guarda dentro de si a sete chaves?
E penso nas pessoas que não usam blusa sem manga porque o braço, elas acham, é gordo ou flácido. Nas que não dançam. Não vão à praia. E irão quando? Se a vida é agora com o corpo possível.
Corpo perfeito é o que me dá prazer. O que me faz parceria. O que, com falhas, defeitos e doenças, mesmo assim, me mantém por aqui. Viva.
Fui para as escadas. Sob o olhar chocado da família. Um guarda me para. Vestida não entra. Prometo que só vou vestida até o final da escada.
- Não dê mole com o biquíni. Podem roubar.
Oi? Numa praia de nudismo onde um ladrão guardaria o produto do roubo? Fico muito curiosa pensando em hipóteses várias. No mínimo interessante.
- Oi?
- Já roubaram outro dia. Guarde na mão.
Me revoltei. Que graça tem um biquíni na mão? Quero a liberdade completa! O que faz uma pessoa roubar um biquíni? Um nudista arrependido?
Escadas acima, sem medo. Um certo receio talvez. E se me vaiassem? Já pensou? Pesadelos.
Uma praia linda. Não mais que a outra que eu tinha acabado de deixar. Pessoas peladas caminhavam em paz. Casais de mãos dadas. Geladeiras para piquenique. O clima não podia ser mais familiar. Muito diferente do que eu imaginava. O que eu imaginava? Nem sei também.
Talvez uma cena mais pecaminosa. Mais imoral. Pessoas conversavam sentadas em suas cangas. Mergulhavam. Muitas bundas brancas. Foi o que minha vista cansada e sem óculos conseguiu observar.
Voltei. Sem areia no biquíni. Leve de ter ido. Feliz pela ousadia. Tão mãe quanto antes, apesar do olhar incrédulo dos filhos. Animada em contar a novidade.
Um marido desconfiado me esperava sentado no fim da escada. Que pena, me fez falta.
De lição? Há escadas que a gente precisa subir. Para voltar diferente. Fica a dica.
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